Segundo o site Escolha seu Shakespeare, são onze as traduções brasileiras de Macbeth (a tradução atribuída a Jean Melville, publicada pela editora Martin Claret, é um plágio), das quais, três não entram nesta comparação, por serem edições que não se encontra tão facilmente. As oito que vamos comparar são:
- Artur de Sales – lançada em 1948 pela editora W. M. Jackson.
- Carlos Alberto Nunes – lançada em 1956 pela editora Melhoramentos, licenciada posteriormente para a editora Ediouro. Em 2008 foi reeditada pelo selo Agir, como parte do Teatro Completo de Shakespeare em 3 volumes.
- Manuel Bandeira – lançada em 1961 pela editora José Olympio, e reeditada pela Brasiliense, pela Paz e Terra e pela Cosac Naify.
- Péricles Eugênio da Silva Ramos – lançada em 1966 pelo Conselho Estadual de Cultura do Estado de São Paulo e reeditada pelo Círculo do Livro.
- F. Carlos de Almeida Cunha Medeiros e Oscar Mendes – lançada em 1969 pela editora José Aguilar, como parte da Obra Completa de Shakespeare em 3 volumes. Foi reeditada pela Victor Civita em volume que inclui também Hamlet, Romeu e Julieta e Otelo. A Obra Completa com tradução de Medeiros e Mendes foi reimpressa na década de 1980 pela Nova Aguilar, que a partir de 2006 passou a utilizar a tradução de Barbara Heliodora.
- Barbara Heliodora – lançada em 1995 pela editora Nova Fronteira, atualmente na 4ª edição, em versões brochura e e-book, e também no box das Grandes Obras de Shakespeare, em 3 volumes de capa dura, ou e-book. Está também disponível na coleção do Teatro Completo da Nova Aguilar. Foi publicada também pela Clássicos Abril Coleções em 2010, em volume que inclui ainda Hamlet e Rei Lear, todos traduzidos por Heliodora.
- Beatriz Viégas-Faria – lançada em 2000 pela editora L&PM, disponível em versões de bolso e e-book. Também faz parte de compilações feitas pela editora, como a das Obras Escolhidas.
- Elvio Funck – lançada em 2006 pelas editoras Movimento e UFSC, em versão bilíngüe.
Ato 1, cena 1
Texto original

Tradução Artur de Sales

Tradução Carlos Alberto Nunes

Tradução Manuel Bandeira

Tradução Péricles Eugênio da Silva Ramos

Tradução F. Carlos de Almeida Cunha Medeiros e Oscar Mendes

Tradução Barbara Heliodora

Tradução Beatriz Viégas-Faria

Tradução Elvio Funck

- A primeira e mais óbvia diferença que podemos notar entre as traduções é se mantêm o texto em verso ou o transpõem para prosa. Medeiros e Mendes e Viégas-Faria transformaram o texto em prosa. As outras mantiveram o texto versificado, mas cada qual com suas particularidades, de que tratarei depois.
- Diz Elvio Funck, na introdução do livro, que sua “tradução interlinear pretende ajudar o leitor interessado a não se distanciar do texto original. A tradução não tem a menor intenção de ser poética, apenas prática e esclarecedora. Há ocasiões em que a tradução se afasta bastante do ‘literal’ para preservar a clareza no texto vernáculo.” Além da presença do texto original, a abundância de notas e os resumos antes de cada cena são de grande ajuda para a compreensão e a imaginação da peça. De início já recomendo esta edição (Movimento/UFSC, 2006) para aqueles que desejam um auxílio para ler a obra em inglês.
- Na edição da Nova Fronteira (4ª ed., 2015), traduzida por Barbara Heliodora, encontrei pequenos erros em todos os três trechos que selecionei. Neste, está no 4º verso: “Ganhar a lata perdida”. O correto aí seria luta. (E mesmo assim a frase ainda me soa um pouco sem sentido).
Ato 1, cena 5
Texto original

Tradução Artur de Sales

Tradução Carlos Alberto Nunes

Tradução Manuel Bandeira

Tradução Péricles Eugênio da Silva Ramos

Tradução F. Carlos de Almeida Cunha Medeiros e Oscar Mendes

Tradução Barbara Heliodora

Tradução Beatriz Viégas-Faria

Tradução Elvio Funck

- Das traduções em verso, a que mais se diferencia à primeira vista é a de Artur de Sales, que se valeu de versos dodecassílabos, todos rimados, mesmo onde o original não possui rimas. As outras traduções versificadas mantiveram as rimas onde elas aparecem no texto inglês, e utilizaram decassílabos.
- Dentre as traduções versificadas, a que me parece mais fluida neste trecho é a de Barbara Heliodora. A tradutora, porém, “enxugou” um pouco o texto para conseguir manter a mesma quantidade de versos do original, enquanto que os outros tradutores precisaram incorporar alguns, para dar conta de incluir o máximo de informação.
- A tradução de Manuel Bandeira por algum motivo não inclui o trecho “Come to my woman’s breasts / And take my milk for gall”.
- Aqui, o erro no texto de Heliodora está neste verso: “Espreita e serve o mal. Veias, negra noite!” Ou muito me engano, ou a palavra aqui seria vem. Também na tradução de Medeiros e Mendes (a minha edição é a de 1981, da Abril Cultural) encontrei dois erros neste trecho: “…convertei meu leite em mel…” e “…a mais sombria fumaça no inferno…”
Ato 5, cena 5
Texto Original

Tradução Artur de Sales

Tradução Carlos Alberto Nunes

Tradução Manuel Bandeira

Tradução Péricles Eugênio da Silva Ramos

Tradução F. Carlos de Almeida Cunha Medeiros e Oscar Mendes

Tradução Barbara Heliodora

Tradução Beatriz Viégas-Faria

Tradução Elvio Funck

- “She should have died hereafter”: Como vemos nas notas de rodapé do texto original, da tradução de Ramos e da tradução de Funck, esse trecho é ambíguo, podendo significar “ela deveria ter morrido mais tarde” ou “ela teria mesmo que morrer algum dia”. Apenas Viégas-Faria e Ramos adotaram esta última interpretação.
- A tradução de Heliodora, no final deste trecho, diz: “…é uma história / Que conta o idiota, todo som e fúria”. Esse todo está dizendo que o idiota é quem está cheio de som e fúria, ao invés da história, diferentemente de todas as outras traduções. Entretanto, na introdução do livro, na página 12, uma reprodução desses versos traz: “…é uma história / Que conta o idiota, toda som e fúria”, dando a entender que de algum modo houve uma troca de letras no corpo do texto, assim como, aliás, parece ser o caso dos outros dois erros que apontei aqui.
Conclusão
Com a intenção de sempre, a de ajudar os leitores a escolherem uma tradução, resolvi comparar as de Macbeth, mesmo tendo pouquíssima familiaridade com a poesia e menos ainda com o teatro. Por isso, acredito que o melhor que você pode fazer com este post (aliás, isto se aplica a todos) é ler e comparar os trechos por si mesmo e decidir qual tradução prefere. Sendo assim, sugiro que não confiem cegamente nestas minhas impressões que vão a seguir.
Não sei por que razão Artur de Sales traduziu a peça inteira em versos rimados. Em alguns momentos, para conseguir rimar, precisou adicionar expressões que não se encontram no original. Por exemplo, na cena V do primeiro ato: “Não venha a natureza / Comovida, abalar da vontade a fereza / E pôr-se entre ela e o golpe, um momento sequer. / Baixai aqui às minhas mamas de mulher…” Esse “um momento sequer” está sobrando aí, apenas para rimar com “mulher”. Outro, na cena V do quinto ato: “Amanhã, amanhã, amanhã, avançando / Vão, passo breve, dia após dia e chegando / Do registo do tempo à silaba final. / Nossos ontens, então, um a um, por igual, / Iluminado têm para os loucos a estrada…”
A leitura da tradução de Carlos Alberto Nunes não flui muito bem, principalmente por algumas inversões de frases, que podem acabar nos obrigando a lê-las novamente. Dois exemplos: “porque as feridas meu punhal agudo / não veja que fizer…” (Ato I, Cena V); “Nossos ontens / para os tolos a estrada deixam clara / da empoeirada morte.” (Ato V, cena V). Como falei, não tenho conhecimento nenhum de teatro, mas parece-me que esse estilo não funcionaria bem no palco.
Gostei da versão de Manuel Bandeira, principalmente do solilóquio de Lady Macbeth na cena V do primeiro ato. Por exemplo, a sua tradução de “Come, you spirits / that tend on mortal thoughts, unsex me here / And fill me from the crown to the toe top-full / Of direst cruelty”, “Vinde, espíritos sinistros / Que servis aos desígnios assassinos! / Dessexuai-me, enchei-me, da cabeça / Aos pés, da mais horrível crueldade!”, é muito mais bonita que todas as outras. Infelizmente, a falta de uma frase (como mencionei acima) compromete o trecho.
Chama a atenção a quantidade de notas na versão de Péricles Eugênio da Silva Ramos, talvez exagerada, se considerarmos que o leitor comum não se preocuparia tanto com questões de filologia ou de referências a outras obras, que são tratadas em boa parte das notas. Achei a tradução muito boa, talvez a melhor. A leitura flui bem e o texto não me parece “inchado” nem “enxugado”, reflete bem o conteúdo do texto original.
Antes de falar da tradução em prosa de Medeiros e Mendes, falo da de Barbara Heliodora, esta sim “enxuta”. Como já comentei acima, a tradutora manteve o mesmo número de versos do original, ao contrário de todos os outros, mas para isso precisou ser concisa, eliminando uns adjetivos (“Life’s but a walking shadow” — “A vida é só uma sombra”), uns verbos (Come to my woman’s breasts / And take my milk for gall, you murd’ring ministers” — “Tomai, neste meu seio de mulher, / Meu leite em fel, espíritos mortíferos!”), substituindo figuras de linguagem (“nor keep peace between / Th’effect and it” — “Ou me fazer pensar nas conseqüências”). A leitura me pareceu fluida, o texto mais leve. Tenho a impressão de que funciona bem no palco (e, se não me engano, era isso o que Heliodora tinha em mente).
A quem preferir ler a peça em formato de prosa só posso indicar a tradução de F. Carlos de Almeida Cunha Medeiros e Oscar Mendes, que, apesar de algumas opções cujo propósito não entendi (tocha, ao invés de vela, histrião, ao invés de ator, tumulto, ao invés de som, na cena V do quinto ato), é a melhor das duas.
A tradução de Beatriz Viégas-Faria, talvez por uma tentativa de simplificar o texto, tem alguns trechos muito feios. Exemplos (todos da cena V do primeiro ato): “…que nenhuma visitação compungida da Natureza venha perturbar meu feroz objetivo ou estabelecer mediação entre este meu objetivo e seu efeito”. “…liberai-me aqui de meu sexo e preenchei-me, da cabeça aos pés, com a mais medonha crueldade, até haver ela de mim tomado conta“. “…que é para minha fina afiada faca não ver a ferida que faz”.
Se eu, neste momento, tivesse que escolher uma tradução, escolheria a interlinear de Elvio Funck, justamente pela presença do texto inglês. Ler essa edição é quase como assistir a um filme legendado: lemos a tradução e “ouvimos” o original, o que nos aproxima ainda mais da peça como foi escrita, nos permite captar um pouco da sonoridade do texto, que é uma maravilha. Obviamente, para isso é preciso que você saiba pelo menos um pouquinho de inglês.
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Atualização em 08/11/2018: revisando este post, descobri duas novas traduções de Macbeth: a de Rafael Raffaelli, na verdade, já havia sido publicada em 2016, mas quando fiz esta comparação não estava sabendo dela; a Martin Claret publicou uma nova edição, em substituição àquele plágio atribuído a Jean Melville, com tradução de Alda Porto. Pretendo incluir essas duas na comparação também.
Gostei muito de ler seu trabalho. Na edição de Heliodora pela Nova Aguilar, 1a. ed., 1a. reimp., 2017, os erros que você localizou acima foram corrigidos.
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Obrigado, Ricardo. Que bom que fizeram essas correções. As palavras que eu supus serem as corretas estavam certas?
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Olá, eu tenho a edição da editora Martin Claret, trad. Jean Melville. Saberia me dizer de qual outra tradutora a MC plagiou a tradução?
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Não tenho certeza, mas acho que é a do Carlos Alberto Nunes. Não tenho aqui a edição da Martin Claret para conferir. Sugiro pegar um dos trechos que estão aqui no site e compará-lo com o do seu livro.
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Luiz, adorei essa postagem e vou passar a seguir o blog! Corroborando o que Ricardo Grecchi escreveu, informo que a tradução da Bárbara foi não apenas corrigida, mas também revista. A tradutora não apenas corrigiu os erros que você apontou, mas retraduziu diversas passagens. Assim, “ganhar a lata perdida” virou “a luta ganha e perdida”, e “veias negra noite” virou “vem, deusa Noite”. Eu tenho a tradução presente no “Teatro Completo” da Nova Aguilar.
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Que bom que foi corrigido! Obrigado, Daniel
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De todas, prefiro a minha, just for fun:
“O nobre é vil, e o vil é nobre:
Paira sutil na névoa pódre”.
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