Continuando com o cotejo das traduções de “Dom Quixote”, trago agora um trecho do capítulo XXV muito bom para verificarmos qual tradutor melhor reproduz o ritmo do texto original.
Se ainda não leu a primeira parte desta comparação, leia aqui.
Livro I, capítulo XXV




Tradução Molina

Tradução Ssó
- Nesta segunda parte das comparações de “Dom Quixote” e nas seguintes (ainda não sei quantas serão, talvez mais uma ou duas), vou utilizar como texto original a edição de 1998 do Instituto Cervantes e da editora Crítica de Barcelona, dirigida por Francisco Rico (disponível aqui). Das quatro traduções que estamos analisando, apenas as de Molina e Ssó mencionam o texto-base adotado: ambas utilizam edições dirigidas por Francisco Rico (apesar de não serem da mesma editora). Mesmo não sendo exatamente a utilizada nas traduções, essa edição do Instituto Cervantes assemelha-se mais a elas do que aquela que eu usei no post anterior (Editorial San Martin, Madrid, 1992), e por isso resolvi trocar.
- Para falarmos de ritmo temos que falar de pontuação, e com isso nos deparamos com uma questão semelhante àquela que já mencionei na 1ª parte desta comparação: da mesma forma que a divisão de parágrafos, a pontuação do texto varia de edição para edição, uma vez que Cervantes a ignorou quase totalmente em seus manuscritos, considerando talvez que ela fosse de responsabilidade do impressor. Há, portanto, algumas variações nesse sentido, o que pode acabar se refletindo nas traduções.
- Não adianta: para saber se um texto tem um bom ritmo, se soa bem, é preciso lê-lo, de preferência em voz alta, ou pelo menos imaginando os sons. Então, se você pulou as imagens dos livros aí em cima e veio direto aqui para os comentários, faça o favor de voltar lá e ler.
- Tanto Dom Quixote como Sancho Pança, no diálogo contido neste trecho, falam de modo contínuo, ininterrupto, encadeando as frases quase sem fazer pausas. Eu sei que falei acima que a pontuação pode variar de acordo com a edição, mas independentemente disso, os y (e) e os que no início de várias frases dão a impressão de continuidade, de ligação, entre elas. A meu ver, quem melhor reproduz esse ritmo é Molina, enquanto que Andrade e Amado o destroem. Considero intermediárias nesse sentido as outras duas traduções.
- Fazendo esta comparação, a primeira que faço entre traduções de um livro escrito em espanhol, percebi que me agrada mais quando elas acompanham de perto o texto original. A grande semelhança entre o português e o espanhol permite que uma versão mais literal não soe esquisita, como acontece quando o original é em inglês. Veja, por exemplo, as traduções da frase “y asegúrote que no dirás tú tantas cuantas yo pienso hacer”:
- Castilho, Azevedo e Chagas: suprimiram este trecho
- Andrade e Amado: “Asseguro-te que, mesmo assim, não chegarás a contar todas as que pretendo fazer.”
- Molina: “e te asseguro que não dirás tu tantas quantas eu penso fazer.”
- Ssó: “e te garanto que não inventarás tantas quantas penso cometer.”
A tradução literal de Molina reproduz fielmente o significado da frase original e não causa estranheza aos falantes da língua portuguesa. O que me leva a pensar por que motivo os outros tradutores não fizeram o mesmo, já que, apesar de não alterar o sentido geral da frase, a substituição de alguns termos (por exemplo: tantas por todas, em Andrade e Amado; dirás por inventarás, em Ssó) a modifica sutilmente.
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Terceira parte desta comparação: Dom Quixote, de Miguel de Cervantes – Traduções comparadas, 3ª parte
Muito bom, parabéns!
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Obrigado!
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Parabéns, Luiz Felipe. Muito bom!
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Muito obrigado!
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ótimo!
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Obrigado!
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Muito legal! Valeu!
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Obrigado!
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Seria bom se comparasse com a do Ferreira Gullar também.
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A do Ferreira Gullar é uma adaptação, por isso não entrou nessa comparação.
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Agradeço pela ajuda. A análise é muito boa. Faça mais. Seria bom se o próximo fosse algum do Dostoiévski ou do Franz Kafka.
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Obrigado! Certamente farei mais, ainda que o tempo não me permita fazer com a freqüência que eu gostaria.
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No arquivo que está no link a seguir, fizeram uma comparação entre as traduções e, pelo que percebi, o Ernani Ssó foi o que melhor entendeu o livro e traduziu de modo que o leitor pudesse entender. No entanto, para isso ele sacrificou, em alguns trechos, a fluidez original.
Link: http://slideplayer.com.br/slide/10974888/
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Eu tenho a do Ssó e a do Molina, e estou querendo me desfazer de uma delas e doar para a biblioteca de onde dou aula, para que os alunos possam ler. Mas ainda não decidi com qual ficarei e qual doarei.
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