São três as traduções brasileiras de “A Linha de Sombra”, de Joseph Conrad:
– Maria Antonia Van Acker; 1ª edição: Editora Hemus, 1978;
– Julieta Cupertino; 1ª edição: Editora Revan, 2005;
– Guilherme da Silva Braga; 1ª edição: Editora L&PM, 2010.
Para esta comparação, achei interessante incluir também uma tradução portuguesa a que tive acesso, de Maria Teresa Sá e Miguel Serras Pereira (cuja editora e ano da primeira edição não consegui encontrar), pelas diferenças de estilo que ela apresenta em relação às brasileiras.
Como na comparação anterior, colocarei trechos do livro original e das traduções, fazendo em seguida apenas alguns comentários sobre pontos que me chamaram a atenção. Um ou outro excerto pode até ser um pouco longo, mas faço isso porque acho importante “sentir” a prosa, para perceber se a leitura flui ou torna-se arrastada e truncada.
Capítulo I – parágrafos iniciais





- Aqui, salta logo aos olhos a diferença de proposta entre a tradução portuguesa e as brasileiras. À parte as diferenças de uso da língua (que nesse trecho são quase inexistentes), o que se percebe é que os tradutores portugueses optaram por não se prender muito ao texto original, enquanto que todas as três traduções brasileiras o seguem mais de perto. Um pequeno exemplo do que estou dizendo é o final do primeiro parágrafo, em que “which knows no pauses” foi vertido para “que não conhece pausas” pelos tradutores brasileiros, ao passo que Sá e Pereira traduziram para “ininterrupta”.
- Chama a atenção também, na tradução portuguesa, o acréscimo de idéias que não existiam no original:
- Logo no início, quando o narrador diz que os muito jovens não têm momento algum (“The very young have, properly speaking, no moments.”), Sá e Pereira adicionam um qualificativo a momentos, dizendo que “[os novos demais] não conhecem, para falar a verdade, momentos propriamente difíceis”.
- Na última frase deste trecho (“And the time, too, goes on—till one perceives ahead a shadow-line warning one that the region of early youth, too, must be left behind.”), os tradutores inserem um dispensável “mergulhando mais fundo”, idéia à qual o original não faz menção nem sugere de qualquer forma.
- Em todo este trecho, o sujeito das frases é indeterminado: o narrador está falando de modo genérico, descrevendo experiências comuns a todos os homens. A indeterminação, no original, se dá pelo uso da palavra one como sujeito (por exemplo: “One closes behind one the little gate of mere boyishness—and enters an enchanted garden.”). Nas traduções que estamos comparando, diferentes recursos foram utilizados para caracterizar a indeterminação do sujeito:
- 3ª pessoa do singular + se: “Fecha-se atrás de si o pequeno portão da mera meninice – e adentra-se um jardim encantado.” (Van Acker)
- A pessoa: “A pessoa fecha atrás de si a pequena porta da mera criancice – e entra num jardim encantado.” (Cupertino)
- 3ª pessoa do plural: “Às nossas costas, fechamos o portão da simples meninice – e adentramos um jardim encantado.” (Braga); “Deixamos fechado para trás das costas o portãozinho da infância… – e entramos num jardim encantado” (Sá e Pereira)
Desses recursos, o único que a mim soa estranho é esse a pessoa, utilizado por Julieta Cupertino. Leia o trecho e veja se não concorda comigo.
- Repare nas diferentes traduções destes termos:
- Early youth: começo da juventude (Van Acker), início da juventude (Cupertino), tenra juventude (Braga), adolescência (Sá e Pereira)
- The kicks and the half-pence: as rosas e os espinhos (Van Acker), as mordidas e os sopros (Cupertino), o ônus e o bônus (Braga), as pancadas e as carícias (Sá e Pereira)
- Common lot: lote padrão (Van Acker), destino comum (Cupertino, Braga, Sá e Pereira)
Quais lhe parecem melhores? Alguma lhe pareceu mais bonita do que as outras opções? Quais delas lhe tornaram mais fácil entender e imaginar o que o autor está dizendo?
A respeito do segundo termo, por exemplo, eu acho as rosas e os espinhos mais literário (talvez seja um pouco brega, está certo) do que o ônus e o bônus, que me parece mais a linguagem de um economista, um contador, alguém assim. Sobre o terceiro, acho que se eu estivesse lendo o livro pela primeira vez e esbarrasse nesse lote padrão, não entenderia que diabos é isso.
Cenas do próximo post…
Continuarei esta comparação no próximo post, em que trarei um excerto do segundo capítulo e falarei um pouquinho sobre terminologia náutica.
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“a bit of one’s own”
Tem uma gradação ali: incomum, pessoal, característico. Então, nessa parte e no geral, prefiro a versão de acker.
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Opa, Luiz.
Você já chegou a comparar as traduções de Moby Dick feitas por Irene Hirsch/Alexandre Barbosa de Souza, Péricles Eugênio da Silva Ramos e Berenice Xavier?
Abraço ;=] .
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Oi, Nilton. Ainda não, mas está nos planos para o próximo ano. Abraço!
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